Muito está sendo
falado sobre o Marco Civil da Internet, o qual cria uma Constituição
exclusiva para a Internet, estabelecendo principios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil.
São muitas opiniões
favoráveis e contrárias ao projeto, muitas disputas políticas entre PT, PMDB e
PSDB, além de disputas internacionais (como nas denúncias de espionagem norte
americana), mas a verdade é que boa parte das pessoas que estão dando sua opinião
por aí, sequer leram o texto na íntegra, ou sabem, de fato, qual é o conteúdo
do texto
mais recente.
E para complicar
(ou dificultar) ainda mais, a cada nova semana, os jornais noticiam mudanças no
texto original. Mas a verdade é que a última versão apresentada no congresso é
de 12/02/2014. Portanto, até que seja apresentado um novo texto substitutivo
na Câmara dos Deputados, qualquer notícia informando que o projeto foi (ou
será) modificado, é apenas especulação.
Além disto,
este projeto
de lei ainda tem um longo caminho pela frente, pois, caso seja aprovado
na Câmara dos Deputados, ele ainda irá para o Senado, que poderá aceitar o
texto como está ou efetuar novas mudanças.
Com base no texto
atual, tentarei levantar os principais pontos do Marco Civil (ou, pelo menos,
os mais polêmicos), e tentar deixar a minha opinião sobre eles.
Neutralidade de Rede
O
princípio da neutralidade da rede requer que todo o tráfego da Internet seja
tratado igualmente, ou seja, sem discriminação com base no conteúdo, dispositivo,
autor, origem ou destino do conteúdo, serviço ou aplicação.
Apenas
como curiosidade, em 2010, o Chile foi o primeiro
país no mundo a
estabelecer o princípio da neutralidade da rede em sua legislação.
No
Marco Civil, a neutralidade da rede é o principal tema discutido e está
representada pelo artigo 9º, o qual possui o seguinte texto:
Art.
9º O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem
distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação.
§
1º A discriminação ou degradação do
tráfego será regulamentada por Decreto e somente poderá decorrer de:
I
– requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e
aplicações;
II
– “priorização a serviços de emergência”.
Pontos favoráveis
A neutralidade de rede
determina que os usuários sejam tratados da mesma forma pelas empresas que
gerenciam conteúdo e pelas que vendem o acesso à internet. Portanto, uma vez
que esta lei seja aprovada, ficaria proibida a suspensão ou a diminuição de
velocidade no acesso a determinados serviços e aplicativos e também a venda de
pacotes segmentados por serviços.
Por exemplo, empresas de
banda larga (como NET e GVT) ficariam impedidas de vender planos que
permitissem o uso apenas de aplicativos específicos como Facebook, YouTube,
Skype, etc. Além disto, a prática do maldito Traffic Shapping estaria
proibida.
Pontos Negativos
O § 1º, no entanto, dá à presidente da República o poder de
regulamentar as exceções à regra para serviços de emergência, ou de acordo com
requisitos técnicos.
Ou seja, com apenas uma
“canetada” (ou decreto), a neutralidade poderia deixar de ser neutra, já que
estaria a mercê das vontades da Presidente.
E isto pode ser usado
tanto para o bem como para o mal.
Mas, como podemos
observar na forma com que a Anatel (que é o órgão regulador do governo) trata o mercado de
telecomunicações brasileiro (que possui pouca concorrência, baixa qualidade e
alto custo para o consumidor), podemos imaginar que essa “brecha” poderá (e
será) usada para o mal.
Portanto, na minha
opinião, o § 1º inteiro deveria ser removido, permanecendo apenas o texto
apresentado no art. 9°.
Fica a questão: Será que se tivéssemos
mais concorrência no setor de telecomunicações brasileiro, teríamos que nos
preocupar com traffic
shapping ou neutralidade da rede?! :-/
Data Centers no Brasil
Outro tópico importante
do Marco Civil é aquele que obriga empresas como Google a instalarem seus data
centers no Brasil.
Apesar dos jornais noticiarem que este texto sofrerá mudanças,lembrem-se,
uma proposta de Projeto de Lei só é modificada quando for novamente apresentada
para apreciação no Congresso. Além disto, uma vez que este novo texto seja de
fato apresentado, será necessário analisar quais foram ás mudanças realizadas
(que poderão ser boas ou ruins). Mas, enquanto isto não acontece, é o texto
atual que está valendo.
E o artigo 12, que trata
deste assunto, possui a seguinte redação:
Art. 12. O Poder Executivo, por
meio de Decreto, poderá obrigar os provedores de conexão e de
aplicações de Internet previstos no art. 11 que exerçam suas atividades de
forma organizada, profissional e com finalidades econômicas a
instalarem ou utilizarem estruturas para armazenamento,
gerenciamento e disseminação de dados em território nacional,
considerando o porte dos provedores, seu faturamento no Brasil e a amplitude da
oferta do serviço ao público brasileiro.
Pontos favoráveis
A ideia deste artigo
ganhou força após as denúncias de espionagem norte americana (e.g. Snowden,
SNA, etc). Mas, sinceramente, não consigo ver nenhum ponto
positivo neste artigo e ele deveria ser totalmente removido.
Pontos negativos
Isto implicaria em mais
custo para as empresas e, consequentemente, produtos e serviços mais caros para
o brasileiro, o qual já possui um dos piores e mais caros serviços de internet
no mundo!
Além disto, alguém em sã
consciência realmente acredita que colocar, os datas centers em território nacional impediria
espionagens internacionais.
Para mim, o governo está
se utilizando dessa “desculpa” de espionagem (que é algo que sempre ocorreu e
sempre ocorrerá na diplomacia internacional) como um inimigo em comum, ao
melhor estilo de Maquiavel, para desviar o verdadeiro motivo por trás desta
ideia, que é o de facilitar a remoção de conteúdo na Internet.
E, mais uma vez, isto
poderia ser utilizado tanto para o bem (como em casos de denúncias contra
conteúdo contendo pedofilia, fotos íntimas, roubos online, etc), como para o
mal (como em casos de críticas contrárias a determinados políticos ou contra o
governo)
Isto implicaria, em
última instância, que empresas como: Google, Facebook, Twitter, entre outros, a
não disponibilizar seus serviços no Brasil.
E isto poderia ser ruim
inclusive para as empresas brasileiras, pois outros países, aplicando o
princípio da reciprocidade, poderiam obrigar que as empresas brasileiras
possuam datas centers em seus países.
Registros de conexão
Os
registros de conexão, que são definidos como o conjunto de informações
referentes à data e hora de início e término de uma conexão à Internet, sua
duração e o endereço IP utilizado pelo terminal para o envio e recebimento de
pacotes de dados, são outros temas fundamentais abordados pelo Marco Civil.
No
artigo 14 temos o seguinte texto:
Art.
14. Na provisão de conexão à Internet,
cabe ao administrador de sistema autônomo respectivo o dever
de manter os registros de conexão, sob sigilo, em ambiente controlado
e de segurança, pelo prazo de um ano,
nos termos do regulamento.
§
1º A responsabilidade pela manutenção dos registros de conexão não poderá ser
transferida a terceiros.
…
§ 5º Em qualquer hipótese, a disponibilização ao requerente, dos registros de
que trata este artigo, deverá ser precedida de autorização
judicial, conforme disposto na Seção IV deste Capítulo”.
Pontos favoráveis
Isto poderia trazer mais
segurança para os dados pessoais dos clientes armazenados pelos provedores de
acesso à internet, impedindo que essas empresas vendessem (ou vazassem) essas
informações para terceiros.
Além disto, ajuda a
proteger as informações dos usuários de Internet, uma vez que dados de
comunicações só poderiam ser divulgados mediante uma ordem judicial.
Pontos negativos
Este artigo trata todo
cidadão brasileiro como um possível bandido. Ou seja, de acordo com este texto,
todo internauta é um potencial criminoso que precisa ter seus dados armazenados
para futura verificação.
Qual a razão de se
obrigar os provedores de conexão a manter estes registros guardados?! O Marco
Civil da Internet não prega exatamente o oposto?! Ou seja, a privacidade do
cidadão!
O que deveria estar
escrito no art. 14 seria: caso o provedor de internet queira (ou necessite)
armazenar os registros de conexão, aí sim, esta informação deveria sendo
armazenadas de forma segura, proibindo-as de serem divulgadas para terceiros. Mas
se o provedor de internet não necessitar dessas informações para o fornecimento
dos serviços, não há razão para obrigá-los a fazer isso.
Armazenar registro de
conexão em ambiente controlado e de
segurança é algo caro. E quem você acha que vai pagar por
isso?! Sim, nós, consumidores. Que já possuímos um dos serviços de internet mais caros do mundo! Não precisamos de mais
uma intervenção do governo para encarecer ainda mais as coisas.
Além disto, por que
guardar estas informações pelo
prazo de um ano?! Por que o governo está tão interessado em
manter os registros de conexão de toda a população?
Já não bastasse o
governo (através do TSE) querer armazenar todos os nossos dados biométricos, querem gravar também
tudo o que acessamos na internet?
Registros de Acesso a
Aplicações
Os
registros de acesso a aplicações de Internet, que são o conjunto de informações
referentes à data e hora de uso de uma determinada aplicação de Internet [como
Facebook] a partir de um determinado endereço de IP, também são tratados pelo
Marco Civil, através do texto no artigo 16, ver a seguir:
Art
16. O provedor de aplicações de Internet constituído na forma de pessoa
jurídica, que exerça essa atividade de forma organizada, profissionalmente e
com fins econômicos, deverá manter os respectivos registros
de acesso a aplicações de internet, sob sigilo, em ambiente
controlado e de segurança, pelo prazo de seis meses,
nos termos do regulamento.
Pontos favoráveis
Este texto facilitaria a
identificação de potenciais criminosos na internet.
Por exemplo, algum usuário
que tenha feito vídeos íntimos de sua namorada ou esposa e que, posteriormente,
divulgue estas informações em algum site de vídeos.
Mas vale ressaltar que
isto seria útil apenas para identificar aqueles criminosos com baixíssimo
conhecimento de informática, dado que, atualmente, existe uma série de
mecanismos para dificultar o rastreamento na rede. Criminosos “profissionais”
dificilmente seriam descobertos.
Pontos negativos
O texto permite seu uso para outros
fins, violando a privacidade do usuário, isto sim, seria uma verdadeira
legalização da espionagem!
Assim como no caso dos
registros de conexão, se um site não precisa armazenar informações de acesso aos seus aplicativos, então por que
obrigá-los a fazer isso?!
Pequenas empresas seriam
as maiores prejudicadas com esta obrigatoriedade.
Mais uma vez, o texto
deveria tornar facultativo o armazenamento destas informações. E, apenas se a
empresa necessitar (de fato) desses dados, é que deveria haver a exigência de
armazenagem de forma segura e sigilosa.
E de onde surgiu esse
prazo de 6 meses?!
Da mesma forma que isto
poderá ser utilizado para o bem, facilitando a identificação de possíveis
criminosos (se bem que eu acho difícil um criminoso utilizar os métodos
convencionais de acesso a aplicativos na internet), isto também poderia ser
utilizado para perseguição política de usuários contrários ao governo, ou de
quem quer que seja (mesmo que, para isto, seja necessário utilizar o sistema
judiciário). Ou será que devemos acreditar cegamente na competência e
honestidade da justiça brasileira?!
Conteúdo gerado por terceiros
Empresas como Google,
Facebook, Twitter, etc não seriam responsabilizadas pelo conteúdo produzido por
seus usuários. O texto que trata deste assunto está nos artigos 19 e 20, ver a
seguir:
Art. 19. O provedor de conexão
à Internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de
conteúdo gerado por terceiros.
Pontos favoráveis
Concordo 100%, afinal,
responsabilizar o Google ou quem quer que seja pelo conteúdo produzido por
terceiros, seria o mesmo que condenar uma empresa que fabrica martelos, pelo
assassinato cometido por um criminoso que se utilizou deste martelo para matar
alguém (neste caso a empresa é totalmente inocente)
Pontos negativos
Não vejo qualquer
problema neste artigo. Mas o verdadeiro problema está no artigo a seguir.
Art. 20. Com o intuito de
assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de
aplicações de Internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos
decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial
específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do
seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo
apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
Pontos favoráveis
Mais um artigo cujo conteúdo
não consigo ver qualquer ponto positivo.
Pontos negativos
Como é que o Youtube, por exemplo, conseguirá remover todas as cópias de conteúdo
considerado infringente?!
Milhares e milhares de
usuários repostam vídeos censurados pela justiça. Nestes casos, quem seriam os
culpados, os usuários ou o YouTube que não conseguiu ser mais rápido que os uploads?!
Este artigo acaba contrariando
o artigo anterior, e as empresas, com receio de serem punidas, poderão censurar
conteúdo de forma indiscriminada para evitar possíveis brigas judiciais. Ou
seja, adeus liberdade de expressão!
Portanto, para mim, mais
um artigo inútil que tem que ser retirado deste projeto.
REPERE IN JUS
O
Brasil discutiu sobre o Marco Civil durante quatro anos e recentemente foi
aprovado pelo congresso. É considerado um texto pioneiro já que estabelece
regras, isto é, direitos e deveres no ambiente virtual.
O
Marco Civil apresenta um conteúdo denso, mas acredito que alguns pontos
favoráveis e outros negativos para população. Em questões como da neutralidade
do provedor acredito que o mesmo ficará sobrecarregado de informações e
aparentemente não será voltada contra o internauta. Por outro lado, qualquer
conteúdo que aparentemente seja ilícito será retirado teoricamente de forma
rápida da internet. E em algumas situações só vai depender de um alvará
presidencial para aquele conteúdo seja retirado imediatamente da rede. Se
analisarmos desse ponto, a liberdade de expressão ficará comprometida. E isso
acabará abrindo espaço para o lobby das operadoras agirem de acordo com os
jogos políticos, restringindo muito conteúdo na rede. E para os usuários da
internet acabará tendo despesas extras, no País que fornece a internet mais
cara do mundo.